Por Angélica Cabral
Fotos: ONG Luta Pela Paz
Quem caminha pela Maré neste fim de ano pode até não notar de imediato, mas algo mudou no percurso: os muros passaram a contar histórias. Em cada esquina, na Principal, no Campo, na São Jorge, na Joaquim Nabuco, na Maçaranduba e na Teixeira Ribeiro, pequenos painéis parecem respirar. São fotografias que compõem a exposição “Olhares Negros”, um convite para enxergar a comunidade a partir do olhar de quem vive ali: um território vivo, complexo, afetivo e profundamente criativo.
As imagens foram produzidas por 20 jovens do território que, ao longo de oficinas promovidas pela ONG Luta Pela Paz, registraram o cotidiano do Complexo da Maré com uma perspectiva que só quem pertence ao lugar consegue sustentar. A mostra, espalhada em minidoors até 24 de dezembro, ultrapassa a lógica dos museus e devolve a arte ao seu ponto de origem: a rua, as vielas, o encontro.
Samantha Oliveira, uma das participantes, conhece bem o impacto dessa representação. Mulher negra e trans, maranhense, encontrou na fotografia não apenas um refúgio, mas uma forma de marcar presença. “É um lugar onde também existe a exposição de obras artísticas, existe o levante de pessoas a fim de trazer cultura e arte para a comunidade e de incentivar a esperança dos jovens do território”, afirma. Seu autorretrato, exibido na mostra, transforma experiência pessoal em força coletiva.
A formação que antecedeu a exposição foi intensa, com mais de 36 horas de aulas que combinaram técnica, sensibilidade e descobertas. Para Gustavo “Gugah”, o processo foi uma espécie de reinício. “Entrei para o projeto Olhares Negros como um Gustavo e estou saindo como outro”, diz. Ele descreve os três meses de convivência como um período de reinvenção mútua, em que alunos e professores criaram laços que ultrapassam o cotidiano.
Duda Braga, outra aluna, encontrou no curso a coragem de transformar vivências em imagem. Aprendeu que fotografar também é um gesto de cuidado, de respeito ao que se registra. “Quando tirei a foto que está na exposição, o sentimento que ela me transmitiu e transmite até hoje é de paz, tranquilidade e sabedoria”, conta. Sua mãe, Priscila, se emociona ao ver o resultado: “A Luta Pela Paz abriu muitas portas para minha filha e isso me deixa muito feliz.”
Celebrando 25 anos de atuação, a ONG reafirma seu compromisso com a transformação da vida de crianças, adolescentes e jovens por meio de ações em esporte, educação, empregabilidade, suporte social e liderança juvenil. “Olhares Negros” não apresenta apenas o talento dessa nova geração, mas também possibilidades. Mostra que, quando a arte ocupa a rua, ela amplia horizontes e redesenha o futuro.
ServiçoExposição “Olhares Negros”
Onde: Minidoors nas ruas Principal, São Jorge, Joaquim Nabuco, do Campo, Maçaranduba e Teixeira Ribeiro, Complexo da Maré (RJ)
Quando: Até 24 de dezembro
Realização: ONG Luta Pela Paz