O cinema de Petrus Cariry
Cineasta cearense conversa sobre sua produção e seu mais recente filme “Mais Pesado é o Céu”
Por: Dan Alves
O cineasta cearense Petrus Cariry, nascido em 1977, tem se consolidado como um dos grandes nomes do cinema brasileiro contemporâneo. Com uma trajetória marcada por filmes que exploram temas profundos e existenciais, Cariry já dirigiu nove curtas-metragens entre 2002 e 2010, incluindo obras como “A Velha e o Mar”, “Dos Restos e das Solidões” e “A Montanha Mágica”. Em 2007, ele lançou seu primeiro longa-metragem, “O Grão”, que deu início à Trilogia da Morte, composta também pelos filmes “Mãe e Filha” (2011) e “Clarisse ou Alguma Coisa Sobre Nós Dois” (2015). Juntos, esses filmes somam mais de 70 prêmios em festivais nacionais e internacionais.
— Eu só me dei conta do número expressivo de filmes quando teve uma retrospectiva dos meus trabalhos na Caixa Cultural do Rio de Janeiro, o que me fez refletir sobre o caminho percorrido e o amadurecimento artístico — conta Petrus.
Após o lançamento de “O Barco” (2018) e do documentário “A Jangada de Welles” (2019), que dirigiu ao lado de Firmino Holanda, Cariry voltou à ficção com “A Praia do Fim do Mundo”. Seu mais recente trabalho, “Mais Pesado é o Céu” (2023), fez uma belíssima campanha pelos festivais, como, por exemplo, ganhando Melhor Ficção no 15º Festival de Cinema Itinerante da Língua Portuguesa (FESTin), realizado em Portugal. Além disso, se destacou com quatro prêmios no Festival de Gramado de 2023, levando melhor direção, fotografia, montagem e o Prêmio Especial do Júri para a atriz Ana Luiza Rios. O bom desempenho de seus filmes reforça sua versatilidade no domínio da sétima arte.
— Desde o meu segundo longa-metragem (Mãe e Filho, 2011), venho fotografando meus filmes, acumulando as funções de diretor, montador e fotógrafo. Esse processo de autossuficiência na criação se intensificou ao longo dos anos, sempre em parceria com Firmino Holanda, que monta e escreve os roteiros comigo. — explica Petrus. — Trabalhar assim me permite um controle maior sobre o resultado final. Eu adoro pintura e fotografia, o que naturalmente influencia meu olhar cinematográfico, especialmente no uso de luz e composição.
A relação com Firmino Holanda começou em 2005, com o curta-metragem A Velha e o Mar. A partir desse trabalho, os cineastas desenvolveram uma parceria de muita confiança e afinidade. Apesar da distinção de seus cinemas, Petrus garante que sempre conseguiram olhar na mesma direção e trabalhar de forma rápida e eficiente. Essa parceria já dura quase 20 anos e rendeu sete longas-metragens.
— Hoje, tenho mais certeza do que quero e consigo recortar melhor as ideias e conceitos que guiam meus filmes. O processo criativo se tornou menos doloroso, ainda que continue desafiador. — explica. — Ao longo do tempo, aprendi a discernir com mais clareza o que interessa para o filme, o que me permitiu aprimorar meu olhar e o resultado final das minhas produções.
O momento atual do cinema cearense é muito louvável. A produção da região vem ganhando destaque e visibilidade, impulsionada por investimentos no setor audiovisual pelo governo do Estado. Filmes como Vermelho Monet de Halder Gomes, Estranho Caminho de Guto Parente, Greice de Leonardo Mouramatheus e A Filha do Palhaço de Pedro Diógenes são exemplos dessa cena pujante. Além, claro, de O Mais Pesado É o Céu.
— Esse projeto começou a ser concebido em 2017, com o primeiro tratamento do roteiro escrito em 2019. Inicialmente, a ideia era que o filme fosse mais solar, menos denso do que meus trabalhos anteriores — conta Petrus que acabou esbarrando na realidade do país com o impeachment da Dilma, a ascensão de um governo sombrio e a pandemia de COVID-19 — O filme se tornou uma alegoria do Brasil contemporâneo. A narrativa do filme, que envolve um casal retornando ao nordeste e encontrando uma terra arrasada, reflete esse período de escuridão e incertezas.
A parceria com Matheus Nachtergaele já vinha sendo cogitada há bastante tempo, e quando Petrus contou por alto sobre o argumento do filme, ainda sem muitos detalhes da obra, o ator aceitou participar. Já Ana Luiza Rios se tornou uma escolha para o diretor após ver o trabalho da atriz em O Clube dos Canibais (2018) de Guto Parente. Na tela, a dupla de protagonistas imprime muita verdade para o universo fílmico, que Petrus acredita ser resultado da vontade e alegria da equipe por voltar a fazer cinema após o pesadelo pandêmico.
— Apesar dessas dificuldades, o que mais me alegra é saber que o filme ressoa com o público, gerando reflexões que permanecem por dias após a exibição — confessa Petrus, que entende o propósito da arte como uma forma de afetar as pessoas, fazê-las pensar e sentir. — É essa profundidade e impacto que busco nos meus filmes, e saber que o público sai do cinema carregando algo do filme é a maior recompensa que eu poderia ter.
É verdade que o filme fugiu da intenção solar inicial, mas a poesia de Petrus nos entrega um drama necessário. O filme se tornou um registro de um período histórico de nosso país. O cinema de Petrus Cariry contribui para a tradição da filmografia brasileira, extremamente comprometida com a interseção entre arte e pensamento político.
Fotos: Cláudio Andrade (pré-estreia); Ingred Xavier (bastidores)
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