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Traços de inclusão: ANÍSIO JÚNIOR

"Sejamos juntos e misturados, e sempre na luta!"

 

Redação: Bernardo Guerra
Fotos: Arquivo pessoal

 

“Minha caminhada sempre foi muito certa, eu fazia coisas de um jovem com bastante expectativas de futuro, almejava muitos sonhos. Estudante dedicado e bem participativo em todas as atividades que me propunha a realizar. Sempre me envolvendo em atividades ligadas à cultura, só que de uma forma coadjuvante, e assim pensava: ‘Por que não participar?’”. Com essa fala, descrevendo sua conexão com a área cultural, Anísio abre nossa entrevista.

Coordenador de acessibilidade da Sala Cássia Eller, agente cultural, ativista e pessoa com deficiência (PCD), Anísio Júnior, 53, fez e faz de tudo um pouco no cenário cultural da capital, desde coralista na Universidade de Brasília (UnB) e Ministério da Cultura, até participar de grupos teatrais em seus anos de escola. O engajamento cultural e a inclusão social, ainda que não percebidos na época, se faziam presentes quando mais novo. “Lembro que, ao visitar o Park Shopping, resolvemos montar a nossa própria versão dos desfiles que aconteciam na época. Foi muito legal. Na nossa cabeça, já de uma forma sem pensar, já estávamos fazendo inclusão. Na nossa apresentação já haviam pessoas pretas, baixas, mais velhas, gays e pessoas que não imaginavam fazer parte de um evento ou de se expor diante de uma plateia”, relembra.

Uma das decisões que mais impactaram o seu entender de cultura e as ligações exercidas por essa mesma, segundo Anísio, foi a de ingressar no curso de turismo. “Na faculdade de turismo, foi um chamado a me dedicar e estudar os assuntos ligados à cultura de um modo geral. Foi um aprendizado imenso. Desde o conhecimento da minha própria cidade, até mesmo de assuntos ligados a gênero das pessoas e religiões de pouca aceitação da nossa dita sociedade”, conta. Assim, já se criava em Anísio uma mentalidade de inclusão e da importância de promovê-la no meio cultural.

O que mudou sua vida de forma definitiva ocorreu em 1997. Após se envolver em um acidente de carro, Anísio perdeu mais de 70% da mobilidade em seu braço esquerdo, se tornando PCD. O processo de adaptação foi, segundo ele, difícil. Na época, jogava voleibol apaixonadamente, dedicando seis horas por dia à prática esportiva, e, até mesmo, era cotado para ocupar uma vaga na seleção de Brasília. “A ficha foi caindo muito devagar [do acidente]. Não foi fácil entender e passar a conviver com as limitações que um PCD tem que enfrentar. Mas decidi seguir em frente e conviver com as barreiras impostas. Sigo em
frente junto aos que lutam por um mundo mais acessível”, conta.


OPORTUNIDADE PARA TODO MUNDO JÁ!


Como coordenador de acessibilidade da Sala Cássia Eller, Anísio entende o impacto que se espera de sua atuação no espaço. “Tenho uma responsabilidade muito grande, pois esse trabalho vai desde a formação de parceiros e voluntários até mesmo com relação ao mobiliário, mapas táteis, pisos táteis, espaços reservados para idosos, cães guias, camarim adaptados, vagas especiais e assim vai. Um sonho de qualquer agente cultural ligado a causa da pessoa com deficiência”, explica.

Para Anísio, além da acessibilidade, a inclusão dentro dos festivais, eventos e exposições é um dos primeiros pontos que devem ser discutidos. “Tem que ser pensado e debatido muito antes de qualquer evento. Temos que nos misturar, conhecer do assunto, participar, frequentar as comunidades de pessoas, se envolver na causa. Ver que existe beleza nas coisas simples, também em coisas que relatam as lutas diárias pela cultura no Brasil e, principalmente, abolir de vez o capacitismo que existe e persiste na nossa sociedade. Hoje vivemos em alguns lugares que já estão pensando em maneiras de garantir a acessibilidade, mas, como eu falei, não se reúnem. Assim, sempre ficam algumas coisas a desejar. Sejamos juntos e misturados, e sempre na luta”, afirma.

Das dificuldades enfrentadas ao longo de sua trajetória no meio cultural, Anísio destaca uma, a falta de oportunidade. “Eu entendo que a cultura sempre foi de uma parte de escolhidos e apadrinhados de elite. As verbas, emendas, editais são coisas que nós agentes (PCDs) culturais não alcançamos e, assim, ficamos à margem. Seguimos na luta pelas melhorias e oportunidades ditas para todos. Temos o mesmo potencial e, quem sabe, melhor”, desabafa.

Ao estar na linha de frente para promover uma mudança a essa realidade, Anísio compartilha um pouco de suas estratégias para conseguir exercer suas funções. “Eu vivo isso no cotidiano, eu procuro passear nos temas ligados à luta da pessoa com deficiência. Eu me jogo na arquitetura, engenharia, nos grupos de cegos, direito e proteção da mulher, áudio descrição, libras e, até, braile, que sou apaixonado”, explica.

“Eu creio que conhecer e estudar me colocam um pouco mais preparado para lidar e garantir o nosso espaço, que vai desde sinalização acessível até mesmo o mobiliário urbano. Falo assim, de garantir autonomia e segurança mesmo. A pessoa PCD tem que pensar que, ao sair para qualquer evento, terá o seu trajeto confiável. Sei que posso estar sonhando um pouco. Mas vai que acontece, não é mesmo?”, reflete enquanto convida você para refletir junto.

 

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