Traços de inclusão: DANIELA LOUVORES

Traços de inclusão: DANIELA LOUVORES

" Nada sobre nós sem nós "

 

Redação: Bernardo Guerra
Fotos: Arquivo pessoal

Em 2023, uma das grandes preocupações que circundam as produções de eventos e festivais é a inclusão social. Dessa maneira, isso envolve não apenas a realização de um evento receptivo a todos por si só, mas também pensar nos mínimos detalhes de como a construção do espaço e treinamento de equipe, por exemplo, podem impactar a experiência de uma pessoa com deficiência (PCD).

Em Brasília, um destes grandes eventos anuais é o Capital Moto Week. Na sua mais recente edição, em 2023, o festival recebeu mais de 800 mil pessoas ao longo dos seus 10 dias de duração. À frente do cargo de coordenação e supervisão de acessibilidade do autodenominado “Maior Festival de Moto e Rock da América Latina” está Daniela Louvores.

A pedagoga e cadeirante Daniela, 44, sempre atuou no meio de renda/empreendedorismo e empregos e, ao longo da carreira, foi cada vez mais entrando em contato com PCDs em busca de oportunidades. “Muitos PCDs me procuravam querendo ser contratados para cantar, dançar e atuar artisticamente. Comecei a ver a necessidade gritante de abrir estes espaços e aí surgiu o Inclusão Cultural em 2020, um evento voltado para artistas PCDs, e foi um sucesso. Hoje temos um grupo de artistas PCDs profissionais. Cada dia é um desafio e assim vamos rompendo”, explica, de forma otimista.

DESDE CEDO

Quando ainda era criança, essa falta de presença PCD nos espaços culturais já incomodava Daniela. “Meus tios e familiares sempre estiveram envolvidos com a cultura diretamente, e eu via pouca participação [de PCDs] desde aquele tempo. Negativamente, e infelizmente, ainda dependemos do rigor da lei para o cumprimento de determinadas participações PCD no mundo cultural”, lamenta.

A própria pedagoga relembra que gostava de cantar e tocar variados instrumentos ainda muito nova, mas acabou não indo para frente pela falta de chance. “Foi algo que passei para minha filha também, porém, infelizmente não tínhamos abertura para tal desenvolvimento devido ao capacitismo estrutural”, relata.

A filha, Rebecca Elisa, é motivo de muito orgulho para Daniela, que enfatizou a importância dela ser mencionada na matéria. “Isto é importante, demostra que as pessoas com deficiência podem tudo”, reforça. Para além do senso comum preconceituoso de que PCDs não são capazes de ter e criar filhos, a pedagoga e realizadora já enfrentou inúmeras situações de falta de acessibilidade em sua vida e nas consultorias. Para combater isso, ela, juntamente com o parceiro de trabalho Mario Rondon, desenvolveram a metodologia inclusiva “ASAS PARA TODOS”.

NA LINHA DE FRENTE

Na prática, Daniela chama atenção para algumas ações essenciais a serem colocadas em prática. “A aplicação dos 7 pilares de acessibilidade são fundamentais para garantir o acesso de todos. Capacitações voltadas ao atendimento humanizado e personalizado para este público PCD e seus assistidos, a efetivação de pessoas com deficiência em todo este processo, desde contratação PCD e inclusão de artistas do início ao fim do evento. Busco sempre desconstruir a questão comportamental humana pois ela ainda é uma das piores barreiras. Ela impede a participação plena e efetiva das pessoas com deficiência, e a acessibilidade atitudinal completa todo o trabalho de acessibilidade arquitetônica e comunicacional. Existem outras estratégias tecnológicas, mas estas citadas acima são fundamentais”, compartilha a consultora.

Ainda assim, a pedagoga afirma que chega a ser palpável a ausência de acessibilidades em eventos das áreas culturais. “Quando existe, não funciona, porque este processo tem que envolver pessoas com deficiência para, no mínimo, orientar como as coisas podem funcionar melhor”, alerta Daniela.

A tentativa de realização de ações inclusivas sem qualquer opinião ou consultoria por parte de PCDs acaba, na realidade, apenas atrapalhando mais, como conta Daniela. “A falta de preparo dos idealizadores, organizadores e equipes, aliado ao preconceito ainda, é muito grande e acaba impedindo artistas PCDs de participarem efetivamente. Precisamos que estas pessoas convivam conosco e participem de capacitações para romper tabus e quebrar esse paradigma”.

A própria consultora já teve que lidar com dificuldades no meio cultural. “Elas [as dificuldades] vão desde a dificuldade de usar um banheiro, que é algo que faz parte da rotina de qualquer ser humano, até a resistência de produtores e organizadores para que as PCDs fiquem de fora, por acharem que as PCDs não tem valor cultural”, relata.

“Temos que desconstruir o capacitismo enraizado nestas pessoas, é preciso ter o entendimento que o mecanismo principal para esta garantia chama-se EQUIDADE. Significa dar às pessoas o que elas precisam para que todos tenham acesso às mesmas oportunidades”

Por fim, levando em conta seus anos de consultoria e militância, Daniela constrói um panorama para o futuro, com ênfase no que ainda pode ser feito. “Quanto mais oportunizarem pessoas, assim como eu, que amam a cultura e tem expertise para executar estas funções culturais, desde da construção de editais à participação PCD em todas áreas culturais, o avanço será progressivo. Assim, vamos conseguir promover uma cultura igualitária. Estamos avançando e nos preparando para ocupar todos os espaços que são nosso direito. A cultura está em todos nós assim como nas pessoas com deficiência.


Vamos fazer valer o lema "NADA SOBRE NÓS SEM NÓS".

 

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