Realleza lança clipe que dá título ao seu novo álbum: Pantera

Realleza lança clipe que dá título ao seu novo álbum: Pantera

Hoje (20/01), Realleza lança o clipe de Pantera, música que dá título ao seu novo álbum. Com ritmos afrodiaspóricos, o álbum Pantera mostra a artista além de todos os estereótipos que a definiam. É uma zona de liberdade, vulnerabilidade e afeto. O que antes lhe foi negado, agora Realleza reivindica.

Por: Clara Montenegro
Fotos: Acervo da artista

Todas as músicas estão conectadas com três temas centrais: ancestralidade, sensualidade e sexualidade. Nas canções, Realleza aborda seu lado sensual e sexual sob uma perspectiva ancestral.

Esses temas fazem parte de uma trilogia de clipes. O primeiro a ser lançado foi Baby Bi, que se passa no Rio de Janeiro, onde Realleza mora atualmente. A música explora duas relações da cantora e suas descobertas como mulher bissexual. A segunda, lançada hoje, é Pantera, que fala sobre sua ancestralidade e essência como artista. A terceira será Chocolate, que abordará a sensualidade, mas a data de lançamento ainda não foi revelada.

Com os olhos delineados em branco, remetendo à cultura ancestral africana, e um sorriso no rosto, Realleza nos contou mais sobre Pantera e o que mudou desde sua entrevista para a Traços, na edição 32 DF, em 2019.


T: Qual a sua inspiração para o álbum Pantera? Quem é a Pantera para você?

R: Pantera, para mim, é esse lado mais instintivo, essencial, selvagem — um lado que fala sobre quem eu sou, para além de todo estereótipo. Quem é Realleza para além de uma mulher preta periférica que veio da Ceilândia e do Sol Nascente? Quem é a Realleza? O que eu quero expressar? Como eu quero que as pessoas me identifiquem?

Ela tem a ver comigo, com o que eu sempre quis mostrar, mas que nem a indústria da música, nem a imprensa estavam aptas a aceitar.

Por isso, nesse álbum, eu comecei a trazer um pouco mais da minha sensibilidade, da minha vulnerabilidade, bem nesse lugar de afeto. Dentro dessa concepção que temos de Brasil, dessa estrutura racial, é importante frisar que o afeto foi negado aos afrodescendentes, aos indígenas e a todos fora do padrão eurocêntrico.

A gente se perdeu na forma de amar, de se ver vulnerável, porque sempre estamos prontos para a guerra. Mas quem nós seríamos se não houvesse guerra, patriarcado, racismo, LGBTfobia? Quem você seria? Você seria, instintivamente e essencialmente, você.

Então, Pantera veio para eu descobrir quem eu sou fora de ser uma mulher militante, dos movimentos, que é uma rainha. Eu sou um ser humano com carências, com necessidade de afeto, de troca, de compreensão, dentro de uma sociedade que o tempo todo tenta me desumanizar.

Quando eu falo em Pantera: "Uma deusa, uma louca, uma feiticeira", eu falo dessa multiplicidade de ser. Quero transmitir pela minha arte aquilo que disseram que eu não podia ser.

Quando começo cantando: "Sendo livre nessa selva de pedra. Não tente domesticar uma fera. Você tem medo de Pantera?", estou apontando o medo para você. O problema não é eu ser uma mulher negra. O problema é seu, por ser racista. O problema não é eu ser bissexual. O problema é seu, por ser bifóbico. Não estou falando sobre pautas; estou falando sobre quem nós somos antes de existirem pautas.

Falo no álbum sobre ancestralidade, sensualidade, sexualidade, porque minha sensualidade é ancestral, não comercial. Minha sexualidade é ancestral, não comercial. Eu não sou livre porque agora está na moda. Sou livre porque sou.

T: Em Afrontosa, você já citava a Pantera. Naquela época você já estava pensando em alguma coisa ou foi uma inspiração que veio depois? Ela já estava pronta para sair?

R: Eu acho que ela já estava para sair, mas Pantera ainda não tava no meu radar. Quando eu quando eu escrevi Afrontosa, eu só queria me pontuar como uma mulher artista dentro do cidade, da Ceilândia. E isso já me trouxe uma fera, porque eu tive que aprender a mostrar as minhas garras, mostrar as minhas presas, para me pontuar como uma artista livre. 

Tem duas músicas assim no álbum. Em "Sou Dessas" eu falo “sou predadora não presa”. Isso é um ponto muito foda, porque as mulheres dentro dessa sociedade elas se veem muito como presas. E eu quero mostrar que sou a predadora também. Então, acho que Pantera já estava dentro, só que eu ainda não tinha liberdade suficiente para falar sobre ela.

T: Você participa de todas as suas composições, das suas músicas. Como que foi escrever essas músicas? Você tem alguma coisa alguma história interessante de uma composição para contar para gente?

R: Eu tenho demais. Vou te falar qual é o grande ponto de Pantera. Além de ser instintivo e visceral, de ser eu, tem uma questão. No Rap, eu nunca me senti muito confortável de falar sobre as minhas relações afetivas. Ele já é um ambiente onde a gente estava reativo, era a arte da guerra. 

A questão é que, em Pantera, eu não estou em uma guerra. Em Afrontosa, eu já estou na guerra. Em Pantera, eu estou numa selva, só tentando ser alguém e eu me senti a vontade em trazer minhas relações afetivas.

Tem músicas que eu escrevi para mulheres e homens. Eu sou uma bissexual, criada dentro de uma igreja evangélica pentecostal, então foi algo que eu sempre reprimi. E eu chego no Rap que é um ambiente politizado, entretanto machista ainda. Eu ainda não sentia um lugar para colocar as minhas ponderações de afeto. Então, Pantera, tem sete músicas. Dentro das sete, cinco músicas são destinadas para afetos meus e nelas eu estou buscando uma forma de aprender a me relacionar.

Baby Bi eu escrevi para um cara e para uma mina. Eu comecei a me relacionar com essa menina, que eu achei que era o amor da minha vida e não deu. Depois disso, eu conheci um cara que eu achei que era o amor da minha vida e também não deu. E passou um tempo, esse casal estava junto, eu os encontrei em um rolê. Então, o clipe foi real mesmo, foi uma vivência minha. Eu me relacionei com os dois e eles tinham as inseguranças deles em relação a minha sexualidade. E quando eu encontrei os dois juntos, eu fiquei "caraca os meus dois amores", que não me entenderam, porque um achava que eu tinha que ser lésbica e o outro achava que tinha que ser hétero. 

As minhas músicas sempre parecem muito dançantes, porque essa é uma característica artística que eu tenho: trazer algum tema muito pesado de uma forma mais leve, para que você consiga interpretar de outra forma aquilo, olhar com outras perspectivas. 

My Lover era uma menina que eu me relacionei e tinha uma mega insegurança com a minha vida artística, com as minhas viagens. E nessa música eu estou tentando convencer ela de que meu amor por ela é verdadeiro. Todos que participam da música tentam isso.

Chocolate é muito sobre sensualidade, ela fala sobre sexo, o sensual, o magnetismo, a atração física. Quando, eu falo “Quando me vê derretendo tipo chocolate” ali, eu estou falando exatamente sobre o ato libidinoso entre as outras pessoas negras. Essa música é aquela para você colocar na playlist de Afro Dengo. 
Pode parecer muito fútil, mas para pessoa majoritariamente oprimidas, é muito difícil derreter. Eu não estou falando só do meu corpo, mas sim da minha entrega física, espiritual e emocional. Eu não estou colocando barreiras.

T: O álbum traz algumas parcerias internacionais, nas faixas My Lover e Roubar Tudo, Rich CFA e Parker Pix (Congo), e Kelvindon (Nigéria). Como aconteceram esses encontros?

R: Eu comecei a buscar artistas que eu já tinha um vínculo. Eu tinha dois artistas que estão morando em Brasília - o Richie CFA e o Kelvindon -, e eu sempre falava que queria fazer um trabalho com eles voltado para o Afrobeat. A gente já conhecia há um tempo, mas não tínhamos músicas. 

Em Pantera, a gente conseguiu o Roubar Tudo, que é sobre já que vocês não vão dar espaço para arte africana, para a arte afro diaspórica, a gente vai roubar tudo. Essa conexão foi muito essencial para mostrar para mostrar as pessoas que eu não estou presa nesse cenário comercial, Brasil, eu estou conectada com África. E para dizer que se eu for para fora, eu vou com a estética africana, eu não vou para fora seguindo a visão americana. Eu vou com a essência de Pantera.

T: Você tem uma versatilidade nas músicas, entra em vários ritmos diferentes, além do rap. Como é para você trabalhar com diferentes estilos?

R: Eu acho que é mais uma coisa da Pantera. Ela não é só uma inspiração de álbum; é uma filosofia de vida. Porque ela tem me ensinado a viver na selva de pedra, sem ser domesticada definitivamente, há mais de 6 anos.
Então, quando eu coloco Pantera no lugar da versatilidade, é porque é um animal que transita: você a encontra na noite ou no dia. Você não vai me ver só durante o dia, eu não vou cantar só o rap, só o funk. Eu posso cantar o RnB, o Afrobeat. Tudo é essa concepção afrodiaspórica; todos os ritmos que eu canto são de uma cultura ancestral africana, nossa. O que algumas pessoas chamam de versatilidade, eu só falo que é um espaço natural meu.

T: Você participou da revista Traços antes de Afrontosa, em 2019. O que você sente que mudou nestes 6 anos?

R: Eu acho que a principal mudança foi a expansão de perspectiva. Ceilândia, que é a minha casa, meu bairro, é o lugar onde eu consegui me construir como uma Realleza. Sendo uma mulher preta, periférica, bissexual, Ceilândia tem uma grandiosa importância na minha carreira. Só que essa mudança na pandemia foi uma mudança no estilo de vida, onde tudo passou ao mesmo tempo que você não tinha contato com as pessoas que estavam próximas de você, mas teve contato com o mundo, porque houve uma revolução tecnológica.

Eu acho que a grande mudança que houve desde a Traços de 2019 foi que me fez ter uma percepção muito mais ampla do que é a arte, de como ela pode alcançar pessoas e do que podemos falar. Porque, quando a gente não tem uma percepção muito ampla, achamos que só podemos falar sobre aquilo que a gente acha que vai ser ouvido.

Então, por exemplo, quando eu lancei Afrontosa, que foi entre 2019 e 2020, falava muito sobre um lugar de me empoderar na cidade, sabe? Me empoderar como Ceilandense, me empoderar como “Sol Nascentiana”. Eu tinha um professor chamado Ezequiel, que falava muito sobre a questão do “Sol Nascentimento”. Porque não é uma cidade; é um sentimento, uma filosofia de vida que você tem a partir da cidade. Tudo isso faz parte definitivamente da estrutura que é a Realleza.

Mas, quando eu me deparei com outros lugares, com outros cenários que falavam de outras coisas, eu comecei a me questionar. Quem era a Realleza de fato, além do bairro? Quem era a Realleza como pessoa? Quem é a Realleza fora das questões que envolvem raça, gênero, classe social, sexualidade? Todas essas pautas são extremamente importantes, mas não existe sociedade, não existe comunidade saudável, sem indivíduos saudáveis.

Eu acho que foi isso: eu comecei a pensar como eu faço para estar saudável, para conseguir transmitir uma arte saudável, para conseguir levar esse bem viver para minha sociedade, que é o Centro-Oeste, o Distrito Federal, o Sol Nascente. Então, acho que foi essa a grande diferença. A Realleza de 2019 estava muito focada nas pautas minoritárias. E a Realleza de 2025 entende que o bem viver dela e da sua comunidade já é uma militância.


Confira Pantera, da Realleza, em todas as plataformas digitais e acompanhe as novidades dessa incrível cantora pelo seu Instagram @_realleza.