Mariana Guedes: um espírito livre, trilhando muitos caminhos
Jornalista, taurina, nascida em 13 de maio, dia da abolição da escravatura, Mariana Guedes brinca que já nasceu com esse espírito livre. No Ensino Médio, fez diversos testes de autoconhecimento para tentar definir seu rumo profissional. Ficava em dúvida entre pedagogia e comunicação social, por sempre ter gostado de crianças. “Eu já dei aulas de reforço voluntárias, mas professores são muito desvalorizados no Brasil e o desgaste mental é muito grande.”
Durante a faculdade, manteve-se ocupada - estudava inglês e francês, fazia estágio e trabalho voluntário na Aiesec, que é a maior organização jovem do mundo. E ainda tinha o sonho de fazer intercâmbio, para morar na França.
Mariana Guedes tornou-se pessoa com deficiência cerca de 15 dias após sua formatura em jornalismo, em 2015, aos 22 anos. Em uma carona de volta de uma viagem de Carnaval à Chapada dos Veadeiros, o motorista perdeu o controle do carro, que capotou três vezes. Sem cinto de segurança no banco de trás, Mariana foi a mais afetada pelo acidente, sofrendo uma queda de cerca de sete metros.
Acidente, Apoio e Adaptações
No acidente, Mariana sofreu perfuração em ambos os pulmões, traumatismo craniano e quebrou cinco vértebras, precisando de dez pinos na coluna. Foram necessários 10 meses para que a ferida da queimadura se fechasse e dois anos até que pudesse encher um balão sozinha. A fisioterapia intensiva foi essencial para recuperar a força pulmonar e aprender a viver com as novas limitações. “Meu acidente foi muito grave, então precisei reaprender tudo do zero.”
Mariana não chorou no hospital, mesmo acordando com a notícia de que estava paraplégica, devido à lesão medular. “Não tive depressão, eu só queria sair viva do hospital. Eu estava com todos os meus sentidos preservados, me vi com consciência”. Além disso, por conta do traumatismo craniano, ela teve amnésia de cinco dias, e não se recorda de nada no acidente. Ainda assim, ela conta que sua memória mais próxima disso foi ter acordado no hospital em uma sexta-feira.
“O apoio da minha família me deu muita resiliência para me recuperar. Eu era jovem, estava começando a vida. Quando o médico me liberou, minha mãe hesitou, pois ainda faltavam ajustes de acessibilidade em casa.” Com a ajuda da família e amigos, que organizaram uma rifa, Mariana conseguiu mais de R$20 mil para adaptar sua casa.
Ela também é grata pelo tratamento no Hospital Sarah Kubitschek, onde aprendeu a manejar as limitações de seu corpo. “Sou apaixonada, aprendi tudo o que é necessário ali, tinha uma equipe de médico, fisioterapeuta, enfermeiro, nutricionista, todo mundo necessário para me dar apoio de alguma forma”. Naquele espaço, ela diz que precisou aprender como o seu corpo funcionaria a partir dali, porque perdeu o movimento e as sensações do corpo na altura abaixo do seio.
Superação e Novos Caminhos
Mariana, que já era fotógrafa desde 2012, começou a se envolver com as artes por meio da dança, ainda na barriga de sua mãe. "Ela sempre gostou de dançar forró, dançava muito grávida”. No ensino médio, aprendeu danças de salão, como samba de gafieira, bolero, salsa e zouk. “E eu fiquei profissional mesmo, porque ia para a academia e ficava no espelho ajudando os iniciantes. Acho que foi por isso que quando aconteceu o acidente só duas coisas me preocuparam: Como eu vou voltar a fotografar e dançar?”
Porém, com apenas quatro meses de recuperação, voltou a fotografar, e nove meses após o acidente, conseguiu um emprego como repórter na Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário - Sead.
“Hoje, com 12 anos de fotografia, eu tenho 9 anos de experiência como fotógrafa cadeirante, já me adaptei muito, acho que estou num momento muito promissor. Fiz 14 eventos em setembro, por exemplo”.
Mariana soma 12 anos de experiência como fotógrafa, dos quais nove anos são como cadeirante. Ela redescobriu novos interesses, praticando esportes como tênis de mesa, basquete e vela, e se apaixonou especialmente pela última, na qual chegou a competir. A volta à dança foi desafiadora, pois, segundo ela, “dançar com as mãos e a cadeira é completamente diferente de dançar com os pés”.
Aos 32 anos, ela está consolidada em sua profissão e pretende comemorar, em 2025, os 10 anos de seu “segundo aniversário”, como chama o renascimento após o acidente.
Realização de Sonhos
Quando o contrato do Ministério do Meio Ambiente chegou ao fim, Mariana se viu com a oportunidade de realizar o sonho que tinha desde os 15 anos de idade: fazer um intercâmbio. Apaixonada por Frida Kahlo, optou pelo México para ser sua casa durante dois meses. Nessa chance única, viveu em uma comunidade de produtores rurais. “Fui sozinha, com uma mochila e um sonho, e voltei com uma Mariana que nunca tinha conhecido”.
Dessa forma, Mariana se tornou a primeira brasileira cadeirante a sair para um intercâmbio pela Aiesec, assim como foi a primeira a chegar no escritório mexicano da organização. Lá, a família que a acolheu adaptou a casa para recebê-la com acessibilidade. Ao chegar na capital do país, visitou a casa de Frida, onde chorou de emoção com a experiência.
“Eu brinco que sou uma das vidas de Frida, tenho muita afinidade com a história dela. Assim como ela se interessou pela fotografia cedo por causa do pai fotógrafo, minha mãe trouxe esse amor pela fotografia desde que eu era criança. Assim como ela expressa sua dor pela pintura, eu expresso pela dança”.
Atualmente, Mariana está na coordenação de acessibilidade do Supremo Tribunal Federal, também compartilha suas aventuras no YouTube, no projeto “Natur - Trilhas Possíveis”, onde documenta suas trilhas como pessoa cadeirante, e continua explorando novas formas de expressão artística, dedicando-se atualmente ao aprendizado da sanfona e libras.
E as cicatrizes do braço e da coluna, que um dia incomodaram, foram substituídas por lembranças felizes e belas tatuagens.