Em uma era de produtividade excessiva e ansiedade digital, brasilienses redescobrem nos hobbies manuais um caminho para o equilíbrio mental e a reconexão consigo mesmos
Por: Mariana Vieira
Fotos: Jcorl (capa), acervo pessoal
A ciência confirma o que muitos já intuíam: ter um hobby faz bem para a saúde. Um estudo publicado em 2023 na revista Nature Medicine, que analisou dados de mais de 93 mil idosos em 16 países, revelou que pessoas com hobbies apresentam melhor saúde mental, maior satisfação com a vida e menores índices de depressão.
Embora a pesquisa tenha focado em pessoas acima de 65 anos, seus achados reforçam uma verdade universal: dedicar tempo a atividades prazerosas e criativas é fundamental para o bem-estar humano em qualquer idade.
"Os tempos úteis e as horas úteis dos nossos dias existem para sustentar os dias inúteis", reflete a psicóloga junguiana Vanessa Di Giorno, que encontrou na aquarela seu espaço de expressão pessoal. Para ela, é justamente nesses momentos aparentemente improdutivos que "talvez esteja o verdadeiro sentido das coisas".
Essa percepção encontra eco na experiência do servidor público Rafael Faria, que há cinco anos descobriu na cerâmica mais do que um passatempo. "Tem algo sobre o ato da criação artística que é bastante profundo: na medida em que você projeta algo do seu mundo interior no mundo exterior, você está dialogando com o mundo e pode acabar se conhecendo melhor", explica. Para ele, criar peças sem a pressão de vendê-las é libertador: "Você faz porque quer, porque gosta, porque acha bonito. Não porque vai vender".
A bancária Giulia Galaxe, que transformou o crochê em prática diária há dez anos, também confirma o poder terapêutico dos trabalhos manuais. "Com o tempo descobri que o crochê tem uma ação similar ao tamborilar que os autistas fazem como autorregulação emocional", conta. O resultado foi concreto: hoje não precisa mais de medicamentos para controlar a ansiedade.

A armadilha da monetização e o direito à imperfeição
Vanessa alerta para um fenômeno preocupante: a crescente pressão para transformar hobbies em fonte de renda. "Se você entrar na internet, vai ver milhares de vídeos ensinando como monetizar seu hobby", critica. Ela mesma resiste: possui uma manta de tricô que faz há quatro anos, "completamente esburacada", com "72 tipos de cores diferentes", que guarda na gaveta sem pretensão alguma de perfeição ou exposição.
"Faça coisas ruins! Tenha momentos para fazer coisas ruins", defende a psicóloga, que mantém uma coleção de "bonecos de santo que parecem pequenos demônios". Para ela, quando estruturamos demais uma atividade, "aquilo vai perdendo esse lugar de gratificação, de lazer, de arte, de intimidade".

Rafael complementa essa visão ao questionar o conceito de hobby como "válvula de escape": "Acho que a arte é o essencial e o primário. Nos sentimos bem fazendo porque faz sentido pro nosso ser". Ele lamenta que tenhamos pouco tempo para a criatividade em nossa sociedade, mas defende que criar sem a lógica da sobrevivência financeira "ajuda a dar sentido a esse mundão".
A experiência de concentração profunda que os hobbies proporcionam também é destacada. "O ritmo acelerado desse mundo digital destruiu parcialmente minha capacidade de concentração, mas a cerâmica me mantém concentrado e imerso por horas", revela Rafael. Giulia ecoa esse sentimento: "O crochê é uma forma que busco me manter no presente, me traz mais concentração e funciona como uma espécie de meditação".

Para Vanessa, existe uma sabedoria em não depender financeiramente daquilo que amamos: "Querer ser remunerado por aquela coisa que você mais ama e tornar aquilo ali a sua fonte principal de renda e sustento material é uma grande armadilha". Ela defende que devemos "bancar" nossos sonhos criativos, sustentá-los, sem necessariamente esperar que eles nos sustentem materialmente.
O mais importante, concordam os três, é preservar espaços de criação íntima e imperfeita. "É meu momento de solitude, que eu paro ali e sou só eu, a agulha e o fio", define Giulia, que hoje também ensina crochê e se orgulha de manter viva uma tradição milenar passada de geração em geração - de sua bisavó para sua avó, e desta para ela. Como sintetiza Vanessa: "A gente transforma o mundo em troca de afeto" - e talvez seja exatamente disso que nossa época mais precisa.