Diretora brasiliense reinventa cinema em NY

Diretora brasiliense reinventa cinema em NY

"Quando o inglês deixa de ser a língua dominante num set nos Estados Unidos, há uma inversão imediata da estrutura de poder”, pontua a diretora Patrícia Colmenero que acaba de filmar o piloto The Brides 

Por: Mariana Vieira
Fotos: divulgação

Em um set de filmagem nova-iorquino, três idiomas se misturam naturalmente: português, inglês e espanhol. Não é confusão - é revolução. A diretora brasiliense Patrícia Colmenero acaba de concluir o piloto de The Brides, onde cada palavra trocada entre a equipe multicultural é um ato de resistência.

Patrícia, que é doutora e ex-professora universitária no Brasil, onde atuou por mais de uma década, se mudou para Nova York em 2022, após ser aceita no programa de MFA (Master in Fine Arts) em Direção Cinematográfica da Feirstein Graduate School of Cinema.


Seu curta-metragem mais recente, No Cerrado Havia Sereias, co-dirigido com Renata Schelb, foi filmado em Brasília em 2021 e finalizado nos Steiner Studios de Nova York. O filme, que narra a história de uma escritora em busca de sereias nas águas do Cerrado, mesclando elementos do folclore brasileiro com questões sobre feminismo e preservação ambiental, foi exibido tanto no Festival Curta Brasília quanto no New York Movie Awards em dezembro de 2024.

Em The Brides, projeto desenvolvido como tese de mestrado na Feirstein Graduate School of Cinema, essas alianças ganham forma concreta. O piloto reúne atrizes brasileiras e mexicanas, uma diretora de arte argentina e profissionais de países como Cazaquistão, Turquia, China e Índia. "Só quem é imigrante entende, de dentro, o que o outro imigrante atravessa. Existe uma paz e um sentimento de pertencimento nesses espaços", revela.


"A experiência de grande parte dos imigrantes latino-americanos em Nova York envolve lidar com o apagamento de sua identidade nacional e racial sob o rótulo genérico de 'latino. É a partir desse apagamento que começamos a forjar alianças."

O cinema como sonho coletivo

 A revolução proposta por Colmenero começa na própria estrutura das filmagens. "Quando o inglês deixa de ser a língua dominante num set nos Estados Unidos, há uma inversão imediata da estrutura de poder. O jogo hierárquico se dissolve. Os privilegiados precisam aprender as maneiras dos colonizados."

O resultado é um ambiente de trabalho transformador, que, na visão da entrevistada,  torna-se mais brando, mais atento, mais afetuoso. Porque ninguém está falando com absoluta certeza — todos estão tentando entender o outro.

A narrativa de The Brides nasce da própria experiência da diretora como imigrante qualificada nos EUA. "As mulheres imigrantes da história são barrigas de aluguel — porque esse é o lugar simbólico e material reservado ao imigrante sem recursos: o da economia do corpo. Corpos imigrantes são cooptados, contratados e descartados como peças de um sonho americano que não nos inclui."

Para Colmenero o processo é tão importante quanto o resultado. "Por que não sonhamos com diárias de oito horas ao invés de doze? Como criar um cinema que respeite o corpo que o faz?", questiona. Em seu set, há espaço para o "não" - especialmente dos atores, que ela considera ocuparem o lugar mais vulnerável da equipe.

"Ser imigrante exige uma imaginação radical. Sonhamos com uma vida que ainda não existe — mas que nos move. Gostaria que meus filmes deixassem um ruído. Algo que a pessoa carregue por dias sem saber exatamente nomear. Como quando a gente sai de um sonho e leva um tempo para voltar."