Caminhando através da escrita

Caminhando através da escrita

Nos Estados Unidos e em boa parte do mundo, hoje é comemorado o Halloween. Já aqui no Brasil, não queremos doces ou travessuras... Para nós, 31 de outubro é o Dia Nacional da Poesia! Bem mais aprazível aos nossos olhos e ouvidos, né?

Para falar sobre o tema, a Revista Traços convidou a poeta Solane Leonor Carvalho de Lima, de 61 anos, moradora de Niteroi, na região metropolitana do Rio.

Seu contato com o verso e a prosa se deu de forma bastante precoce... Mais precisamente em 1969, quando a pequena Solane assistia ao Festival da Canção, numa TV preto e branco, e apareceu Evinha cantando “Luciana”. Ela nunca tinha tido contato com a poesia, mas ficou completamente impactada ali, do alto dos seus sete aninhos de idade, ao ouvir “Menina com olhos de mar”. A expressão fez seu coração disparar e plantou uma sementinha naquele coração infantil. Aos 13 anos, escreveu seu primeiro poema e nunca mais parou.


Atualmente está em seu quinto livro, e este último, intitulado “Turvações”, saiu do forno no último dia 20 de outubro, pela plataforma online “Mulherio das Letras Rio de Janeiro”. Para quem não sabe, o Mulherio das Letras é um movimento literário feminino, que começou em 2017, pela escritora Maria Valéria Rezende, e contou com as presenças de Conceição Evaristo e da nossa autora também, em João Pessoa, na capital paraibana.

O Mulherio das Letras reúne cerca de sete mil escritoras, editoras, ilustradoras, pesquisadoras e livreiras, entre outras mulheres ligadas à cadeia criativa e produtiva do livro, no Brasil e no exterior. Em nosso estado, existem dois coletivos:  Mulherio das Letras Rio e o Mulherio das Letras Sônia Peçanha, do qual Solane (ou Sol, para os íntimos!) faz parte. Desse movimento feminista, veio o convite para participar da FLOP – Feira Literária das Órfãs de Paraty, numa espécie de sátira a quem não esteve na FLIP.

Na FLOP, havia mesas livreiras para se inscrever. O livro ficou pronto em 2019, mas veio a pandemia e o projeto ficou parado, e só foi lançado agora. “Turvações” fala sobre o olhar, sobre o que a gente enxerga sem ver, e sobre o que a gente vê sem enxergar. Ele toca no que há de nebuloso e turvo nas nossas impressões, no nosso ponto de vista, na nossa forma de ver o mundo. É essencialmente uma publicação de poesia sobre o olhar.

E contando um pouco da trajetória da Sol: ela é paraense, de Belém, e teve poliomielite com 1 ano e meio de idade. Em razão disso, a família vendeu tudo o que tinha e veio para o Rio, em busca de tratamento. A pólio deixou Solene de muletas e aparelhos ortopédicos durante muito tempo. Bem mais tarde, aos 37 anos, começou a ter fraqueza muscular na perna e o resultado foi uma doença neuromuscular progressiva, chamada atrofia muscular progressiva pós-polio, conhecida também por síndrome pós-poliomielite. Consequentemente, veio a cadeira de rodas.

Sol mora sozinha, viaja, faz compras, mas ressalta que a autonomia tem limites... No dia da gravação da entrevista, estava chovendo e a falta de acessibilidade nas ruas e estabelecimentos extinguem o direito do cadeirante de ir e vir. Segundo ela, faltam também tecnologias assistidas e um pensar inclusivo dentro das cidades.

Ela ressalta que nós temos uma das melhores legislações para PCD do mundo, mas não é aplicada. A Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, da ONU, é ratificada pelo Brasil com força de emenda constitucional, mas não se vê no dia-a-dia na prática. Niteroi, por exemplo, é tida como uma cidade razoavelmente inclusiva, com bastantes rampas e acessos, mas ainda é extremamente difícil de se viver, se locomover, de ser e estar.

Para tentar melhorar a situação de quem vive a sua condição, ajudou a fundar a primeira Associação Brasileira de Síndrome Pós-Poliomielite no Brasil, onde foi diretora em SP e presidente da Regional Rio. Depois disso, em 2017, recebeu o diagnóstico de outra doença; desta vez, uma autoimune rara chamada policondrite recidivante, o que a engajou também na luta pelas doenças raras, fundando um grupo de apoio para esse grupo. Ela chama a atenção para números alarmantes: existem cerca de 8 mil doenças raras catalogadas e cerca de 13 milhões de pessoas vivem com doenças raras no Brasil.

Haja poesia para lidar com tanta realidade!

E quem quiser seguir conhecer um pouco mais do trabalho da Sol, acesse o perfil @soleca.2021 no Instagram e o site policondriterecidivante.com.br, onde você vai entrar todo conteúdo sobre esta e outras doenças raras.

Por: Angélica Cabral