O olhar resistente de Mav Matheus
A história de Mav Matheus com a fotografia começa ainda na infância quando brincava de fotografar as cenas que via ao longo do dia. Munido de sua câmera imaginária, enquadrava as cenas e com o click que saia de sua boca, fixava aquelas imagens na mente. No fim do dia, olhando para o teto, buscava em suas lembranças aquelas cenas clicadas, num ato de revelação imaginário.
— O tempo foi passando e eu fui tendo algumas experiências — relembra Matheus sua trajetória com a fotografia. — Depois eu fui tendo algumas práticas com celular. Era algo que eu sempre tive curiosidade, e decidi que quando tivesse uma renda iria investir numa câmera.
A realidade brasileira limita o acesso à fotografia profissional de inúmeras maneiras, sobretudo por conta do alto custo de aquisição de equipamentos. Mav Matheus, como um jovem periférico, sentiu na pele o impacto dessas limitações e durante muito tempo teve dificuldade de ocupar o espaço que hoje ocupa com muito profissionalismo.
— Eu sou uma pessoa com deficiência física — explica, que chegou a largar o segundo ano do ensino médio por conta da fobia social desenvolvida na adolescência — Eu acho importante falar isso porque esse é o ponto de partida do meu olhar sobre o mundo.
E foi através do ato de fotografar que ele conseguiu quebrar as barreiras da comunicação, encontrando em sua prática um motivo para sair de casa e desbravar o mundo para criar novas possibilidades de viver. A percepção da produção de imagem como esse processo de socialização sempre foi muito presente na vida de Matheus.
— Eu ficava muito tempo olhando os álbuns de fotografia da minha mãe, e via parentes que não estavam mais vivos — relembra Matheus sobre sua infância no Morro do Guarabú, na Ilha do Governador. — Na família da minha mãe a câmera fotográfica era muito presente. Sempre tinha a hora da foto e a família toda se juntava, e eu achava isso muito bom.
Em 2016, Mav Matheus começa sua graduação em Geografia. E é nessa realidade que seus horizontes ampliam e começa a perceber as nuances acerca da estratificação social que compõem um território com o Rio de Janeiro. É também nesse período que começa a ir para a rua cobrir as manifestações, principalmente no período de 2018. Nessa experiência estabelece novos contatos e aprimora sua técnica fotográfica, sempre construída de forma autodidata com base em tutoriais na internet e diálogo com amigos fotógrafos.
— A primeira câmera que eu comprei foi uma canon powershot bem introdutória — relembra a aquisição que fez em 2016. — Eu comprei com o dinheiro da bolsa da faculdade. Eu recebi retroativo, acumularam quatro bolsas e investi na câmera.
Para ele, a geografia tem tudo a ver com a fotografia. Ele acredita que é possível pensar a relação com o mundo a partir da produção fotográfica. A relação do espaço com o tempo, e a forma como isso é registrado permite aos geógrafos a compreensão das especificidades de um determinado recorte temporal. E por esse caminho, ele consegue alinhar suas expressões artísticas aos seus saberes científicos acumulados ao longo de sua trajetória acadêmica. Porém, é muito difícil se manter atuante no mercado de trabalho.
— Comercialmente, a fotografia é muito elitizada. Quem faz as coisas, faz as mesmas coisas sempre e é muito difícil alguém abrir espaço. — reflete sobre os distanciamentos do fazer artístico que a dinâmica de uma vida periférica como a dele o submete. — Os lugares que eu consegui ocupar foram muito difíceis.
Apesar de todos os desafios vividos, Mav Matheus não sucumbe diante dos dilemas das tradições artísticas do Rio de Janeiro. Se esquivando da violência do Estado e da violência do mercado de trabalho, ele segue firme com seu propósito com a fotografia. Suas fotos não representam apenas um registro de seu olhar, mas também funcionam como testemunho de um jovem que busca romper com a bolha que o sistema insiste em encaixá-lo.
Instagram: mavmatheus
Site: mavmatheus.com.br