Nos dias 6 e 7 de novembro, um espaço de afeto, criação e resistência ocupou a Universidade de Brasília (UnB). Em sua mais recente edição, o EDA - Encontro de Arte e Saúde Mental celebrou mais de uma década de história, reafirmando a cultura como uma poderosa ferramenta de cuidado e transformação. E nós, da Traços, estivemos lá para mergulhar nessa experiência e participar da premiação do já consolidado Concurso de Poesias.
Por Redação
Fotos: Rainer Faulstich
O evento, que já é o maior do segmento na nossa região, transformou o Centro Comunitário Athos Bulcão em um grande palco, onde a arte pulsou em liberdade. O EDA nasceu da inquietação de Alessandra Rizzi, terapeuta ocupacional, bailarina e idealizadora do projeto, que viu na arte uma ponte para acessar conteúdos profundos da alma, que muitas vezes a fala não alcança.
"O cuidado em saúde mental que busco construir é alinhado à Reforma Psiquiátrica e se faz em liberdade e no território. O sujeito precisa se apropriar da sua comunidade e dos equipamentos que ela oferece para se emancipar e ser autônomo" Alessandra Rizzi.
Ao longo de dois dias, o EDA ofereceu uma programação gratuita e diversa, com apresentações no palco principal, exposições de artes plásticas, debates e, claro, o aguardado concurso de poesia. É um espaço que fortalece a rede de atenção psicossocial do DF, conectando pacientes, artistas, pacientes-artistas, profissionais de saúde e a comunidade em um grande ato de celebração da vida e da criatividade.
A Traços no EDA: Premiando a Poesia que Resiste
Para nós, da Traços, a cultura é um pilar de transformação social. Por isso, participar do EDA e premiar o concurso de poesia é uma honra que reforça nossa missão. Acreditamos no poder da palavra escrita como forma de organizar o caos, dar voz à dor e, finalmente, encontrar a cura. As poesias premiadas este ano são um testemunho da força e da resiliência humana. São versos que nos atravessam, nos emocionam e nos lembram que a arte é, acima de tudo, um ato de coragem.
Convidamos você a mergulhar nessas obras e sentir a potência de cada palavra. Com vocês, as poesias vencedoras do EDA 2025:
ASTROCITOMA PILOCÍTICO
Por Dani Gusmão

Me enxergue além dessa máscara de humana
Não tenha medo de mim, amor
Eu sou feita dos mesmos átomos que o orvalho que escorre na grama
Dizem que a loucura beira a genialidade
Mas eu só sinto dor
Me corte em pedaços ou ame a minha alma
Mas não me deixe sozinha nessa casa
Todos os demônios fugiram do inferno
E fazem festa nas sombras do meu inconsciente
Presa nessa crânio e nesse teto
Nessa inconsistência inconsequente
É incoerente
Eu quero respirar dentro do fogo e da água
Freud explica, mas a física explodiu a minha mente
E, num estouro, eu me vi fragmentada
Seria esse o meu Karma?
Eu fui criada em um molde quebrado
Tão perfeita quanto a ilusão desse retrato
Um mundo feito de imagens com moléculas sem fim
Enlouquecendo sob o véu de Ísis
Sacerdotisa do caos, cante para mim
O segredo do silêncio: a Astronomia
E DAÍ SE EU CUIDO DA MENTE?
Por Lay Lamacio

| E DAÍ se eu cuido da mente? Vergonha é fingir que tá tudo bem pra gente! E DAÍ se eu faço terapia? Vergonha é viver sem buscar alegria! Me chamaram de fraco. Me chamaram de louco. Mas fraco é fingir que tá bem quando a vida já pesa, já quebra, já pouco. Disseram: “Psiquiatra? Tá doido? Tá mal?” Eu disse: “Tô cuidando! Porque mente também é vital!” Louco é viver engolindo o choro, é fingir sorriso no meio do coro. Louco é dizer que é só frescura, como se lágrima fosse só chuva e não ruptura. Eu tive medo, sim! Medo de falar: “Eu trato da mente, eu tomo remédio.” Medo do dedo apontado, da boca julgando, do riso covarde que nasce do tédio. Mas um dia eu disse: CHEGA! Não quero morrer calado, não quero viver quebrado! Então eu fui. Eu pedi ajuda. E sabe o que aconteceu? Eu descobri a cura da alma assustada: o cuidado não é vergonha, o cuidado é a estrada! E nessa estrada eu encontrei o EDA! Um evento que não julga, que não cala, que não fecha a porta. Aqui a dor tem voz, a arte é abraço, e a vida... a vida é coisa boa, coisa que importa! |
EDA é poesia que grita,
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RASTRO DE LUZ ENTRE CORTINAS FECHADAS
Por Tiago Meneses

Alguns dizem que é falta de fé e que basta sorrir e seguir em frente,
como se a dor tivesse um botão que ao apertar, tudo desaparece de repente,
ou como se um coração partido pudesse se colar sozinho,
com frases prontas e vazias simplesmente jogadas no caminho.
Mas há noites, em que a mente se fecha em corredores escuros
e cada pensamento é um eco que repete aqueles dias duros,
sendo lembranças que viram muros altos demais para atravessar,
olhares indiferentes que ferem como lâminas difíceis de suportar.
Falam em força e em nunca ceder,
como se sentir fosse fraqueza e sofrer fosse um erro a esconder,
como se cada lágrima fosse escolha e não consequência,
de noites longas e pensamentos nocivos que voltam com frequência.
Mas a mente não se dobra a conselhos
e nem a dor cede só porque o mundo exige sorriso no espelho,
não se cura alguém com palavras repetidas e nem com olhares vazios,
e não se ajusta à expectativa daquele que nunca lidou com os próprios desvios.
Então surge a arte de maneira tímida e quase imperceptível,
mas não como remédio e nem como promessa de cura infalível,
surge como presença discreta, mas firme e verdadeira,
às vezes sendo um fio de luz que faz companhia a noite inteira.
Cada verso que escapa, cada cor espalhada e cada nota tocada,
é um pedaço de vida que encontra passagem,
um jeito de transformar medo em imagem,
a angústia em melodia e o vazio em coragem.
Criar é resistir e cada criação é insistência,
um jeito de dizer baixinho: “eu existo” contra a indiferença.
Seja no silêncio dos quartos ou nas sombras da mente cansada,
cada palavra escrita é uma alma que não se deixa ser aprisionada.
Em cada traço, em cada som e em cada gesto que se liberta,
mostramos que viver é um ato de coragem, mesmo com a dor da alma aberta.
E mesmo que o mundo ria, negue ou tente esquecer,
cada verso, cada som e cada cor é uma afirmação,
de uma lembrança de que estar vivo já é uma revolução,
e que a arte mesmo que simples, é uma mão estendida
para quem ainda busca luz em meio à escuridão.
SOCORRO
Por Anderayne Araújo Nobre

Só eu corro, buscando socorro diante do medo de me perder
Busco culpado, apressado e faminto, destino confuso que nem sei o quê
Olhares fugazes, conselhos vorazes, auxílios escassos fadigam meu ser
Então me apresso, fugindo da dor e mirando a esperança de sobreviver
Então estafado, cansado e humilhado, diante de tanta obstinação
Me vejo parando, cessando essa pressa, de ter um destino de libertação
Não fui socorrido, amparado, acolhido ao menos da forma que imaginei
Por breve momento, sem forças reservas no fundo do poço para cima olhei
Visando a escalada ao topo da vala, após atolado decidir mudar
Sorvi pouco antes da longa subida, da água da vida a me inundar
Sentindo então, em meu coração que a longa subida, é recuperar
Escalei pouco a pouco já não apressado mirando o alvo e não o afundar
E nessa jornada não mais obstinada, e sim avivada de paz e razão
Daí percebi olhares por mim, que no desespero cego não vi
Mãos estendidas, preces ouvidas torcida bem vinda de superação
Mudei o sentido por tanto iludido e vendo o novo, agradeci
Sozinho corria, irado seguia jornada vazia de desilusão
Agora não mais. Só corro? Jamais, pois vi ao meu lado quem quer ajudar
Jogou-me a escada, calçou-me para a jornada subindo ou correndo sem mais me
odiar
E só então percebi que o que antes senti, estava enfim em resolução
Bastou começar, pedir, procurar que a mim já estava o alvo a alcançar
Agora escalo ou corro sorrindo sem mais me fechar ao bom que virá
A vida é minha, mas quero vivê-la ao lado de quem me acompanhará
Socorro eu peço e finalmente eu quero dizer que achei que possa me dar!
CÁ ESTOU...
Por Antônio Coelho

Cá estou...
Retocando a vida
Rebatendo a saudade
Insistente e doída
Cá estou...
Acompanhado de solidão
Que insiste em machucar
Sem um pingo de Compaixão
Cá estou...
Dissolvendo-me em lágrimas
Separando a dor dessas dores
Sentindo-me uma lástima
Cá estou...
Suspirando sem jeito
Desgastando o meu tédio
Num martírio perfeito
Cá estou...
Carecendo dos teus afagos
Retrucando com este viver
Só sonhando e acordado
Cá estou...
Sozinho sem você e tudo
Tudo sem sentido e nada
Sou eu aqui, no mundo
Cá estou...
Reparando essa lesão
Remontando os pedaços
Desse nobre coração
Cá estou...
Ratificando meus rascunhos
Reescrevendo minha dor
Descrevendo um sonho
Cá estou...
Rebuscando à memória
Compondo-te em versos
Admirando a história
Cá estou...
Remando contra a maré
Resistindo a fortes ventos
Até quando Deus quiser.
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