“É Nós!”, o livro que transforma a memória afetiva da Zona Oeste em arma, afeto e futuro

“É Nós!”, o livro que transforma a memória afetiva da Zona Oeste em arma, afeto e futuro

Em entrevista à Traços, o comunicador e agora escritor Felipe Pinheiro fala sobre seu livro de estreia, um projeto que nasceu de uma provocação, virou trilogia e busca criar um ciclo de leitura na periferia carioca

“Confesso que eu nem achava que tinha capacidade pra escrever um livro”. É com essa sinceridade que o comunicador, designer e escritor Felipe Pinheiro, cria da Zona Oeste do Rio, começa a contar a história de “É Nós!”. O que era apenas uma ideia provocada por uma conversa com o amigo e também autor Jeferson Pedro, floresceu. O projeto, que ele achava que não passaria de 100 páginas, hoje já é uma trilogia com mais de 800.

A missão é ambiciosa e clara: contar a história de Tico e o "Bonde da Rua 05", mas, acima de tudo, celebrar a juventude negra, suburbana e sonhadora que cresceu entre os anos 90 e 2000. O livro, que está com uma campanha de financiamento coletivo na plataforma Benfeitoria, é um convite para mergulhar em um universo onde a rua era o palco principal da vida.

“Minha geração foi a que fez a transição do analógico pro digital. A socialização era na rua, de verdade”, relembra Felipe. “Era ali que a gente descobria quem era, quem não era, quem queria ser. Aprendia a respeitar o mais velho, via quem tava na vacilação, dividia brincadeiras e até os dilemas da adolescência. Era mais intenso”.

Essa intensidade está no cerne de “É Nós!”. O título, segundo o autor, sempre esteve ali, implícito na narrativa. “É sobre os laços que a gente cria: os que apertam, os que afrouxam, os que ficam. É sobre como eles deixam marcas e moldam o nosso caráter”, explica.

Um espelho para uma geração

O protagonista, Tico, é um reflexo do próprio autor (era seu apelido de infância), Mas é também reflexo de tantas outras crianças: “Um menino preto, gordinho, sensível, distraído e criativo. Ele tenta entender o mundo ao redor, sem saber que o mundo já o julga antes mesmo de ele se entender”, descreve Felipe, que é autista e TDAH.

Mas a narrativa faz questão de quebrar com o imaginário redutor sobre as comunidades. Em “É Nós!”, o anti-herói tem pais casados e não passa fome, um contraponto consciente aos estereótipos. “Favela não é só tiro e crime! Isso é exceção. Lá também tem parceria, afeto e potência. E eu faço questão de mostrar isso”, afirma.

O livro é um resgate afetivo, uma forma de agradecer a todos que influenciaram sua jornada. “A vida adulta infelizmente nos afasta do convívio, mas com o livro, pude reviver a sensação gostosa de estar com eles. Espero que o leitor também consiga sentir isso”.

Um projeto feito em comunidade

Para que a história nascesse com a mesma alma com que foi escrita, o caminho escolhido foi o da produção independente e coletiva. A campanha na Benfeitoria funciona no modelo “tudo ou nada”, um risco que, para Felipe, é coerente com o espírito do projeto. “Ou a gente faz junto, ou não faz. A comunidade é mais que público, ela é a coautora desse sonho”.

Essa filosofia se estende à identidade visual, toda concebida por artistas periféricos, a maioria da Zona Oeste. “Não fazia sentido contar uma história periférica com uma estética que não nascesse da mesma fonte. É sobre fortalecer quem já nos representa no cotidiano”, pontua.

O propósito social é o motor do projeto. A partir da segunda tiragem, a cada livro vendido, outro será doado para escolas e bibliotecas comunitárias da Zona Oeste. “Ler ainda é privilégio em muitos territórios. Quero ajudar a criar um ciclo de leitura onde ele ainda é interrompido por falta de acesso. Se um moleque se vê nesse livro e entende que sua história importa, o nó foi feito”.

A escrita que fura bloqueios

O maior sonho de Felipe é ver “É Nós!” ganhando vida própria, chegando a presídios, saraus e se tornando material de estudo nas escolas. “Quero que ele ande sem mim, como fazem os livros que importam”. Para ele, a literatura é uma ferramenta de transformação.

“A escrita me mostrou que eu não preciso usar linguagem acadêmica pra falar com os meus. Na real, eu preciso falar de um jeito que eles entendam a potência que são”. A escrita é minha arma porque denuncia. É meu afeto porque acolhe. É meu projeto de futuro porque transforma”.

Ao final da conversa, Felipe deixa um recado direto aos leitores da Traços e futuros apoiadores: “Até o dia 1º de outubro, você pode fazer parte de algo bonito de verdade. Apoiar esse livro é garantir que a Zona Oeste, a infância periférica, a memória afetiva dos nossos também ocupem as estantes do Brasil. Não é só um livro. É um movimento de leitura, de escuta e de pertencimento. Chega com a gente. Porque no fim das contas… Tudo ‘É nós!’”.

Para apoiar a campanha: