Entre o barulho das ondas e os cantos da memória, um filho da terra volta para transformar seu território em obra. Em plena temporada do Mundial de Surfe, Saquarema recebe “O Canto da Vila”, exposição de Mulambö que devolve arte, afeto e ancestralidade à paisagem que o formou. Confira este manifesto em bandeiras, madeiras e memórias.
Por: Angélica Cabral
A arte de Mulambö é como um grito contido que, finalmente, encontra ressonância: ousado, urbano, afrocentrado e de profunda potência poética. E agora, esse eco ganha ainda mais força com a exposição “O Canto da Vila”, que marca o retorno simbólico do artista visual à sua cidade natal, Saquarema, na Região dos Lagos do Rio de Janeiro. A mostra ocupa seu Ateliê, na Praia da Vila, até o fim de julho, em uma programação gratuita que vem movimentando a cena artística local.

Reconhecido por seu trabalho, que mistura pintura, madeira, colagem digital, bandeiras, instalações e intervenções urbanas, o homem que nasceu João e tornou-se Mulambö dá continuidade à sua pesquisa sobre identidade negra, memória periférica e atravessamentos que moldam o cotidiano. “O Canto da Vila” não é apenas uma exposição: é um reencontro afetivo com o próprio território — recordações da casa da avó, imagens de Iemanjá, Nossa Senhora de Nazaré, cenas de pesca, carnaval etc.
Perguntado sobre a origem do nome artístico, que tem forca e atitude, mas é ao mesmo tempo curioso, ele diz que vem de uma lembrança da infância. Quando moleque, gostava de jogar bola na rua, ficava sujo e a mãe reclamava que o filho parecia um menino esmolambado. Depois, quando começou a fazer arte e criar suas obras, também ia para as ruas à procura de materiais e superfícies que pudesse utilizar... Como a ideia era produzir um resultado com a mesma leveza que tinha quando jogava suas “peladas”, a alcunha “Mulambö” lhe caiu como uma luva.

Voltando ao presente, O Canto da Vila reúne mais de 30 obras inéditas, após se consagrar em passagens por centros culturais do Brasil (Rio, Niteroi, São Paulo, Inhotim) e do exterior (Seattle - Estados Unidos, Munique – Alemanha, Barcelona - Espanha). A diferença é que o acervo de agora é reinterpretado sob o olhar do pertencimento. Isso sem falar na felicidade de poder retornar para sua terra com toda a gratidão do mundo à Fabiana Gabriel, Bel Tinoco, Isabel Portella e Bruno Portella, que ajudaram a colocar os tijolos na construção de sua carreira.
E que a arte tem um papel social em sua vida, não há como negar! Ele saiu da Região dos Lagos e chegou a muitos lugares impensáveis, tudo com a força do seu trabalho. “Voltar para expor aqui é também um gesto de enfrentamento. Quero que as crianças negras daqui saibam que podem ocupar museus, galerias e qualquer lugar”, afirma. Para Mulambö, se isso fizer alguém de seus arrredores acreditar um pouco mais em si mesmo e no próprio poder de realização, sua exposição já terá cumprido seu papel.
Ah! Uma informação importante: para quem não sabe, Saquarema sedia o Mundial de Surfe (WSL) entre os dias 21 e 29 de junho! Como o evento esportivo acontece em meio à sua exibição artística, que fica em cartaz de 20 de junho a 20 de julho, ele amplia o horário de funcionamento do seu ateliê para aproveitar o movimento da cidade, que costuma ser invadida por turistas.
Vale ressaltar que “O Canto da Vila” foi selecionada pelo edital Fluxos Fluminenses, da Secretaria de Economia Criativa do Estado do Rio de Janeiro, através da Lei Aldir Blanc, e terá uma segunda etapa, entre setembro e outubro, na Galeria do Lago, no Museu da República, no Rio de Janeiro.
Em tempos de ruído e dispersão, Mulambö nos lembra que há beleza e poder na memória — e que cantar sua vila é também cantar o país inteiro!
Serviço:
Exposição “O Canto da Vila” – Mulambö.
Local: Ateliê do artista – Praia da Vila, Saquarema (RJ).
Temporada: Até 20 de julho de 2025.
Horários: De terça a domingo, das 10h às 18h, com alterações durante o Mundial de Surfe (todos os dias até as 19h).
Entrada gratuita.
Classificação: Livre.