A Traços reverencia Diego Augusto Souza dos Santos Prazeres, de 32 anos, cria de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, e morador do Centro do Rio. Ele foi Porta-Voz da Cultura da Revista, vestindo o colete para vender as publicações impressas pela cidade; e, hoje, segue levantando a bandeira que aprendeu na época em que ainda era PVC: a de que a arte e a cultura salvam vidas.
Fazendo uma viagem ao passado, mais precisamente cinco anos atrás, o nosso Diegão era um rapaz angustiado, depressivo e tomava medicamentos controlados no abrigo em que morava. A essas instituições de acolhimento, ele dá o nome de “depósitos”, por considerar que nada é realizado efetivamente para uma evolução social das pessoas em situação de vulnerabilidade que lá se encontram. É como se fosse uma “maquiagem” para ressocializar quem está “depositado” ali. Ainda assim, o medo de voltar às ruas de novo era pior, já que existe um prazo de permanência e o seu estava vencendo... Foi quando surgiu a Revista Traços e ele usou o colete pela primeira vez.
O convite veio do Barba (1º Porta-Voz da Cultura de Brasília), que ensinou tudo sobre ser um PVC. Mais à frente, Diego comprou um celular para se comunicar com seu mentor e tirar dúvidas. Entre os aprendizados, destaca um: “nossa vida só vai se tornar um sucesso quando fizermos da vida das outras pessoas também um sucesso”. E foi assim, ao lado do “criador”, que a “criatura” deu seus primeiros passos no caminho da cultura. Não largou mais.
O até então vendedor de biscoitos da Lapa renascia para uma nova perspectiva... Descobriu a fotografia e, de cara, venceu o concurso “Olhar urbano”, após se juntar a alguns companheiros para fotografar em torno do Museu do Amanhã. As imagens eram captadas pelo celular e o material foi despretensiosamente enviado para a seleção. Animado com o “mundo novo que se abria”, comentou com a equipe do abrigo o quanto era prazeroso trabalhar com arte. Imediatamente, os funcionários acionaram o Jornal O Dia para fazer uma matéria com aqueles jovens. Foi justamente o momento da virada de chave! O olhar para a cultura havia mudado... Para Diego, a vitória no concurso se deu a partir de informações da coluna “Olhar”, que conta a história de um fotógrafo. Por esse canal, ele conheceu uma grande profissional, que dizia não ser contra a foto com celular, mas contra a fome! Ah, meus amigos... Essa era apenas mais uma identificação (a derradeira!) com aquela filosofia...
A busca por mais conhecimento só aumentava e fez da internet uma poderosíssima aliada. Todos os dias, ele sentava no sofá do Museu de Arte do Rio, para pegar o wi-fi, e estudar sobre o novo ofício. Começou a fazer vários trabalhos nas imediações e tornou-se, definitivamente, fotógrafo de celular.
A carreira já tem três anos e Diegão garante o sustento dando dicas de fotos incríveis, com bizus sobre foco, enquadramento, posições e luz do dia, para turistas estrangeiros e visitantes de outros locais do Brasil. Ele tem orgulho de informar aos clientes que o Rio de Janeiro é o segundo lugar mais retratado do mundo. Perguntei qual seria o primeiro... Ele riu e respondeu: Roma!
Além da profissão, nosso personagem tem um belo objetivo: ensinar aos irmãos em situação de rua que, através da arte, é possível evoluir a condição social e ter dignidade. Quando vê alguém perdido, pedindo dinheiro, ele conta a própria história e encoraja: “você também pode ser um fotógrafo, um poeta... Com a arte, vêm o dinheiro, admiração das pessoas e aquele “muito obrigado”.
Atualmente, Diego tem sua moradia, fiscaliza os equipamentos de acolhimento contra violação dos direitos humanos, coordena fóruns com esse tema e está sempre nas audiências públicas. Segundo ele, o Censo Populacional 2022 não contou a população de rua (que cresce assustadoramente!) como parte da sociedade.
Em suas declarações, faz um alerta sobre a dependência química levar tanta gente à situação de vulnerabilidade e haver um descaso das autoridades quanto ao assunto. Esse não foi o motivo que o levou às ruas, e sim uma depressão, após perder toda a família, vítima da Covid-19. Sozinho e ao mesmo tempo acompanhado pelos amigos que fez naquele período mais sombrio, trilhou o melhor caminho possível. Hoje, é voluntário do Café Social do Seu Eli, no Castelo, onde, três vezes por semana, são distribuídos 815 cafés da manhã. Agora, do outro lado, é ele quem consegue ajudar, abraçando todos e falando de poesia, fotos e da Revista Traços. Mesmo não usando mais o colete, continua “vestindo a camisa” da transformação social e agradecendo àqueles que compram a revista e ajudam a manter esse projeto.
A arte está na vida de Diego e, quando pega um grupo grande de turistas, aproveita para dar uma aula, semelhante à que deu a mim, sobre a arquitetura em formato de bromélia africana, do Museu do Amanhã, criação do espanhol Santiago Calatrava. Ele fala ainda sobre as maravilhas do bairro da Saúde, da Baía de Guanabara, da Ponte Rio-Niteroi, do Carnaval, da bike do Itaú, do patinete elétrico... Os visitantes acabam dando um rolé na Pequena África e no comércio da região, e saem com outro olhar da cidade. Para ele, essa é a melhor sensação de dever cumprido: mudar o conceito errado que as pessoas de fora têm do Rio de Janeiro.
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Por: Angélica Cabral
Fotos: Rodrigo Rubinato